quarta-feira, 22 de julho de 2009

PEDAGOGIA DO OPRESSOR[1]

“É que Narciso acha feio tudo aquilo
que não é espelho.”
Caetano Veloso

“É mais fácil desistir do que insistir”.
Dito Popular

No artigo 22 da Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996, diz que os governos estaduais e municipais, responsáveis pela educação básica, devem ‘desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores’. Portanto, na mesma Constituição Federal há também expresso no Art. 7º, inciso IV que diz “(...) são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV – salário mínimo, fixado por lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim(...)”. Ou seja, da mesma forma que o cidadão tem direito a um “salário mínimo”, do qual o mesmo não é capaz de suprir-lhe todas as necessidades estipuladas na Constituição, da mesma forma, governos estaduais e municipais recebem da União “verbas” para que os governos destinem àquilo que é estipulado nas leis de distribuição de cada estado/município.
Logo, não acredito que os governos estaduais e municipais sejam negligentes quanto à finalidade da Educação Básica. Até mesmo porque, assim como o famigerado “salário mínimo” não corresponde com todas as necessidades do cidadão brasileiro, igualmente acontece no governo estadual e municipal que recebem “verbas” que serão repassadas à educação.
Relendo o livro de Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia[2], em momento algum percebi o autor culpar o sistema público, seja ele qual for, como negligentes ou responsáveis pelo possível fracasso na Educação Básica no Brasil. O problema é que, muitos professores, diferentemente de outros profissionais, como por exemplo, os da medicina, acreditam tanto no fracasso de suas profissões que preferem desistir de lutar por um ensino melhor do que insistir contra o sistema – essa engrenagem que corrompe e destrói. Somente o fato de o professor desistir de lutar e preferir colocar a culpa no governo, já demonstra uma escolha política, pois ser omisso é o mesmo que compactuar com essa macro-engrenagem, que leva muitos à mesma decisão, por ser o caminho mais curto, consequentemente, menos trabalhoso.
Colocar a culpa no governo estadual e municipal torna-se mais fácil do que insistir e persistir na busca de um ensino melhor, pois o que eu faço, não pode ser medido pelo que eu ganho, até mesmo porque, quando fiz a minha escolha pela licenciatura, não foram os “altos” salários que me atraíram, e sim, minha vocação e minha convicção de que, como professor, posso ser um gestor/multiplicador de ideias.
Pedagogia da Autonomia é um livro pequeno em tamanho, mas gigante em esperança e otimismo, pois condena as mentalidades fatalistas que se conforma com a ideologia imobilizante de que "a realidade é assim mesmo, que podemos fazer?" Para estes, basta o treino técnico indispensável à sobrevivência. Em Paulo Freire, educar é construir, é libertar o ser humano das cadeias do determinismo neoliberal, reconhecendo que a História é um tempo de possibilidades. É um "ensinar a pensar certo" como quem "fala com a força do testemunho". É um "ato comunicante, co-participado", de modo algum produto de uma mente "burocratizada". No entanto, toda a curiosidade de saber exige uma reflexão crítica e prática, de modo que o próprio discurso teórico terá de ser aliado à sua aplicação prática. E isso requer trabalho, muito trabalho. O que na verdade, parece ser um preço que a maioria dos docentes não quer pagar.
Antes de escrever esse artigo, acreditava que o fracasso da educação no Brasil poderia ser atribuído totalmente aos governos, por falta de incentivos financeiros. Depois de ler o livro de Freire, acabei descobrindo que o poder público, sobretudo estadual e municipal, no uso de suas atribuições, faz a sua parte o que os torna participativo e não negligentes no que diz respeito à Educação Básica.
Portanto, de minha modéstia parte, estado e município estão inocentados de negligência e culpo a União por tal negligência, isso porque, a distribuição da renda para educação parece-me ser realizada de forma irregular. Um estudo do próprio Ministério da Educação concluiu que o investimento de 4,3% do PIB é insuficiente para resolver este problema secular. Segundo o mesmo estudo, seriam necessários 8% do PIB para tal. Não bastasse isso, o foco do investimento em educação no Brasil privilegia a elite, ao investir pesadamente no ensino superior, pois enquanto o ProUni serve de bandeira eleitoral, o FUNDEB mal saiu do papel.
Esse descaso político tem um preço altíssimo, pois os pilares educacionais formam-se na educação infantil e nas primeiras séries do fundamental aonde deveria ter maiores investimentos. É o que faz países como os Estados Unidos, Coréia e Japão. No Brasil, a União (Governo Federal) faz justamente o contrário, privilegiando o Ensino Superior e menosprezando a Educação Básica. Por isso, a universidade padece com a qualidade sofrível dos jovens, que têm dificuldades até mesmo para ler e escrever, derivativas de uma formação fragilizada e ineficiente nas séries e estágios anteriores de suas formações.
O que postulo é que nós, professores, não devamos ancorar nesse discurso pessimista e tornar nossas aulas medíocres, tentando nivelar meu conhecimento e minha capacidade de ensino ao que ganho. Isso se torna uma Pedagogia do Opressor, que na verdade é cíclico. Quando aluno, ouvimos essas mesmas reclamações, assistimos às mesmas paralisações e apoiamos as mesmas greves... Agora, enquanto professor, devo fazer a escolha de repetir esse discurso pouco respaldado e menos responsável ou lutar contra o sistema através de uma excelência na gestão do Ensino?
Para Freire, o homem e a mulher são os únicos seres capazes de aprender com alegria e esperança, na convicção de que a mudança é possível. Aprender é uma descoberta criadora, com abertura ao risco e a aventura do ser, pois ensinando se aprende e aprendendo se ensina.
Enfim, chegou a hora de decidirmos: de que lado quero estar? De que lado você, meu caro colega de sala, está?
Se fosse para sintetizar a teoria de Paulo Freire em Pedagogia da Autonomia para respaldar minha escolha diria que “ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade; comprometimento; compreensão de que a educação é uma forma de intervenção no mundo; liberdade e autoridade; tomada consciente de decisões; saber escutar; reconhecimento de que a educação é ideológica; disponibilidade para o diálogo; querer bem aos educandos”.
Portanto, se esse é o preço que não queremos pagar, ou melhor, que você não queira pagar, já não estaria na hora de investir em outra área que não a licenciatura?
Como diria Howard Gardner em Inteligências Múltiplas “precisamos atrair para o magistério indivíduos mais fortes, precisamos melhorar as condições para que eles permaneçam ensinando e precisamos utilizar nossos professores-mestres para ajudar a formar a nova geração de alunos e professores”. O caminho para essa conquista já começamos a desenhar, só falta pintá-lo com tons mais fortes e com mais lápis de cores juntos.

Jonas Pinheiro Barbosa
Professor da rede pública

[1] O título do artigo é inspirado no livro ‘Pedagogia do oprimido’ de Paulo Freire.
[2] FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 16ª ed. São Paulo: Paz e Terra,2000.165p.

Nenhum comentário:

Postar um comentário