segunda-feira, 26 de abril de 2010

Greve de professor

Por Anis José Leão

Quando o assunto é greve de professor, fico com uma peninha danada da classe. Prevejo o que fatalmente vai acontecer: nada, ou um tiquinho pra cima desse tanto.

Primeiro, vejamos o que faz um professor. Além de transmitir instrução para o discípulo, tem de educá-lo. Instruir é fornecer elementos novos de saber, educar é aperfeiçoar todas as faculdades humanas, posto que a perfeição, embora inatingível, é o limite para o qual tendem todos os nossos esforços (Backeuser).

A tarefa de educar não cabia antes ao professor, porque a família cuidava disto, 20 anos atrás. Hoje, desagregada, sobrevivendo à custa do trabalho dos dois cônjuges, estraçalhada pela televisão deletéria, a família se desmancha por dê cá aquela palha. Destarte, a professorinha do bairro pobre ou da favela ou até da elite tem de aguentar a má conduta dos alunos, que chegam a ameaçar bater nela, cuspir nela, produzir obscenidade na cara dela. Apelar para quem?

Segundo, além do encargo educativo a mais, o professor, o ator, o escritor, o autor, o orador, todos padecem, naturalmente, da moléstia do narcisismo. Uma auto-admiração monumental, que, para o caso do professor, Lauro de Oliveira Lima pintou com mestria: o professor entra na sala, monta o circo, tem a plateia cativa, é senhor da palavra, plena autonomia de cátedra, fita a audiência, mas não vê individualidade alguma.

Está com a libido dirigida ao próprio ego. É um êxtase que o sustenta por fora e por dentro, jamais haverá um mestre preocupado com dinheiro, com tirocínio comercial, com auto valoração da sua ensinança. Pois não houve aquele professor de Harvard (bandido!), que declarou: Esta escola me paga para fazer aquilo que, de bom grado, eu faria de graça? É isso. O mestre é um doador, um dador impenitente, quer dar.

Ora, na outra ponta está o patrão, o empregador, o dono da escola, o Governo, todos comerciantes, e, como tais, sem fé nem lei, escreveu Balzac. Na escola particular não há nunca clima para greve, o dono acerta a conta e despacha o filistino. No magistério público, em todo o caso, há uma folga para o protesto grevista. Mas como o Governo sabe muita coisa e sabe da moléstia narcísea, que é que lê faz? Como reage à greve professoral?
De saída, ele mantém o bloqueio da Imprensa. Com tal controle, só saem notinhas tímidas do movimento paredista, minimizando ao máximo a ocorrência e pondo como personagem do mau pagador algum secretário, assessor, planejador ou gente da terceira fila. Passeatas, procissões, séquitos e cortejos reivindicatórios se esfarelam na foto de meia dúzia de gatos pingados.

O Governo pensa assim: vamos embromando esse pessoal. Professor não produz nada, se fosse fábrica de automóvel teríamos de conversar e resolver logo. Mas essa gente, que só dá prejuízo, com água, luz, elevador, giz, papel, computador, tinta, essa gente vai cansar logo-logo. Aí, no final, a título de salvar a dignidade dela, dou um tiro de misericórdia: aumento 2% na gratificação incorporável.
E os 62% de professores que paralisaram a atividade voltam, como cordeiros, ao trabalho, para nunca reporem as aulas perdidas, ou enrolá-las num pau de picolé.

Governo algum pensa em aumentar o saber do povo, fazê-lo ladino, torná-lo mais sabido e, pois, mais exigente? Sai pra lá.

Extraído do site:
http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/colunas-artigos-e-blogs/anis-jose-le-o-1.337

Nenhum comentário:

Postar um comentário