quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A carteira de meu tio

Quero parabenizar a UFMG por mais uma vez ter saído na frente no critério de obras literárias para o vestibular 2011. Todos que me conhecem sabem que sou um grande defensor da leitura obrigatória de obras literárias para o vestibular, quiçá o Enem adote a mesma norma para os anos seguintes.

E minha posição quanto à leitura dos clássicos, dá-se por dois motivos: primeiro, por acreditar, assim como Antonio Candido que a Literatura é um direito de todo o ser humano, portanto não podemos furtar do mesmo o direito de acesso aos clássicos; segundo, o brasileiro tem uma das piores médias de leitura de livros anualmente, mesmo com a indicação de cinco livros literários por vestibular. (Sobre o retrato da leitura no Brasil, acesse http://www.cenpec.org.br/modules/news/article.php?storyid=675 )

E ainda tem certas faculdades abolindo a recomendação de obras literárias no vestibular...

E nessa de recomendação, a UFMG saiu na frente ao indicar em sua seleção o livro de Joaquim Manuel de Macedo “A carteira de meu tio” no ano em que, além do vestibular, os brasileiros irão às urnas escolher seus representantes.

A leitura então da obra de Joaquim Manuel de Macedo não só vai ajudar nas provas objetivas da primeira etapa como também dará excelente contribuição para o (e)leitor ponderar sobre algumas atitudes verossímeis aos nossos dias.

O protagonista da história é um jovem cujo tio financia sua viagem a fim de conhecer melhor o seu “grande livro” – a sua terra! Com uma recomendação apenas: “não escrevas parvoíces na Carteira de teu tio, isto é, não pregues mentiras”.

Então começa uma viagem no mundo político do Brasil do Segundo Império. (Será?) E nessas andanças o jovem recebe de seu compadre Paciência (companheiro de viagem) uma verdadeira aula de política e cidadania, explicando ao moço que um partido político é composto por “três entidades bem diversas: a multidão, que é cauda do partido; os correligionários pensadores, que formam o corpo; e os chefes, que são a cabeça.” Continua: “O tal bicho, como é natural, é ordinariamente governado pela cabeça; digo ordinariamente, porque quando ele se desespera e disparata, tem um mau costume de andar às avessas, e então a cauda arrasta a cabeça”. Já que a cauda é metáfora do povo, “a cauda de qualquer dos nossos dois partidos não sabe, nem procura saber o que quer; segue o movimento que lhe imprime a cabeça, e vai indo...” Ora, se a cauda dos dois partidos do Segundo Império não sabia, nem procurava saber o que quer, imaginem hoje com tantos partidos! Já os chefes dos partidos, segundo explicações do compadre Paciência, “para eles a política não passa de uma guerra de ambições ignóbeis, que se define perfeitamente com estas palavras já muito repetidas: ‘Desces tu, que eu quero subir’.”

Ah! Como eu gostaria que nossos jovens tivessem a aula sobre política que o jovem protagonista de “A carteira de meu tio” teve...

Ainda sobre esses “papagaios políticos” ele explica ao jovem que quer iniciar na carreira política que eles (os políticos) “fazem da política um meio de vida e brigam quando não os deixam mamar nas tetas do Estado”. Isso é Segundo Império? Até parece definição de políticos corruptos do século XXI.

Enfim, quem não for fazer o vestibular da UFMG esse ano deveria ler a obra indicada e dar boas gargalhadas nas aulas que o compadre Paciência deu ao jovem sobre política e cidadania. As pérolas são muitas... Tais como “não há lutas pelas idéias (sic), há brigas por causa do poleiro” (isso mais parece resumo de debate político).

E o esquecimento das promessas nas campanhas políticas não é virtude só do nosso século, queixa-se o compadre Paciência “somos muitas vezes iludidos, descaminhados e indignamente burlados pelos manejos de homens ambiciosos”. E o que dizer desses projetos entre progressistas e conservadores? Mostram um tal progresso de preguiça, que chegam até a subir e descer sem jamais sair de um mesmo lugar! Não... Eles não estavam falando do PAC I nem do PAC II... Na época nem existia isso!!!

O (e)leitor ainda terá surpresas ao ler a historinha dos porcos e do milho que aconteceu na fazenda do compadre Paciência em Cantagalo.
E para não desanimá-los fica o alerta:

O problema do sistema prisional que hoje temos não é privilégio só da nossa geração... E longo meses de férias gozada em detrimento o serviço público já era alvo de crítica do nosso compadre da história...

Mas esqueça tudo isso que estou tentando alinhavar... São apenas divagações de um (e)leitor empolgado com a leitura de um livro. Na verdade, o livro é pura ficção...

Por isso, gostaria de encerrar com uma frase dessa ficção (e quaisquer semelhanças entre os fatos aqui apontados serão meras coincidências):

“Cadeia é destinada para os ladrões, e ladrão é somente quem furta pouco”.

Sola Scriptura.

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Publicado no caderno Domingo, Hoje em Dia, Domingo, 14 de Fevereiro de 2010.

Um comentário:

  1. Simplesmente perfeito!
    Concordo plenamente que as obras clássicas da literatura brasileira deveriam estar no edital de todos os vestibulares. A Fundação João Pinheiro, assim como a UFMG, incluiu no seu concurso deste ano "A carteira de meu tio", "A estrela sobe" entre outras obras.
    Acredito que o futuro do país está na instrução de crianças e jovens por meio da literatura, que contribuira para a formaçao de adultos mais criticos em relaçao ao futuro politico do país.
    Se mais pessoas pensassem como voce o Brasil com certeza seria um lugar melhor para se viver.

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